A presidente Dilma Rousseff determinou que o governo pare de desapropriar terras agrícolas para a criação de novas reservas indígenas, segundo fontes oficiais, em uma decisão que tem profundas implicações para o país.
O Brasil destinou nas últimas décadas 13% do seu território para tribos indígenas. Vastas áreas adicionais, inclusive áreas valorizadas para a produção de soja, carne, açúcar e outros produtos, estão sob consideração para possíveis novas transferências. A política já foi considerada como uma das mais progressistas do mundo, mas nos últimos meses vinha causando crescentes atritos, pois milhares de agricultores foram expulsos das terras que cultivavam, em alguns casos havia décadas.
Dilma tem frequentemente favorecido mais os interesses ditos “desenvolvimentistas” do que as preocupações mais humanitárias, e agora acredita que a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi longe demais na sua atribuição de determinar quais terras devem ser reservadas aos índios, segundo duas fontes governamentais graduadas. Sendo assim, para blindar os agricultores, uma nova diretriz do governo facilitará a expansão do cinturão agrícola do país, importante motor da prosperidade nas últimas décadas e fonte importante de matérias-primas para a China, o Oriente Médio e outras regiões.
As tensões entre agricultores e índios existem há anos, mas explodiram nos últimos meses, quando os dois grupos, por diferentes razões, pleiteiam mais terras. A Constituição de 1988 garante aos índios os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” e diz que o Estado é responsável por demarcá-las. Sucessivos governos cumpriram isso, e as alocações foram muito mais generosas em termos de área do que nos Estados Unidos e na maioria dos outros países latino-americanos.
No entanto, até recentemente, a maior parte dessas terras ficava em áreas florestais pouco habitadas, principalmente na Amazônia. Algumas tribos se queixavam de serem excluídas de áreas valorizadas, sobre as quais tinham reivindicações históricas igualmente fortes. Enquanto isso, a agricultura brasileira cresceu fortemente nos últimos anos, em grande parte graças ao apetite asiático por matérias-primas. Só a área para o plantio de soja cresceu cerca de 40% na última década.
No mês passado, representantes indígenas invadiram o plenário da Câmara dos Deputados em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar as terras indígenas. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que o Executivo está trabalhando para, dentro das limitações legais, esclarecer o processo de demarcação e que além da Funai serão ouvidos o Ministério da Agricultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Cidades, entre outros órgãos.
Dilma estava ciente das disputas, mas a força de um protesto no mês passado em Mato Grosso do Sul a convenceu de que a situação havia alcançado um novo grau de urgência. O relatório subsequente dos seus assessores traçou um quadro claro de abusos por parte da Funai, segundo as fontes governamentais. Uma dessas fontes disse que Dilma ficou “indignada” de saber que antropólogos da Funai haviam recebido praticamente carta branca para determinar quais terras desapropriar, sem levar em consideração se essas áreas eram produtivas.
No Rio Grande do Sul, a Funai está estudando a desapropriação de cerca de 30 áreas, inclusive uma que descendentes de colonos europeus controlam desde 1872, segundo Irineu Orth, diretor da seção gaúcha da Aprosoja, entidade que reúne produtores de milho e soja. “Garanto a vocês que em 1988, quando o Estado foi informado de que deveria reservar terras para os indígenas, não havia um só índio na maioria dessas áreas”, disse Orth.
Os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, além da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), agora também se pronunciarão sobre as terras a serem demarcadas. “Precisamos escutar outras vozes”, disse a ministra-chefe da Casa Civil em uma turbulenta audiência no Congresso onde ela anunciou as novas medidas, em 8 de maio.
A sede da Funai, em Brasília, rejeitou repetidas solicitações para comentar o assunto, mas a associação dos seus funcionários divulgou nota na sexta-feira “repudiando” a atitude de Dilma e acusando a presidente de usurpar os direitos da Funai sobre a demarcação de terras indígenas. Uilton Tuxá, chefe da tribo Tuxá, na Bahia, disse por telefone que a decisão de Dilma sobre a Funai foi “um enorme passo atrás para os povos indígenas no Brasil”.
fontes: Reuters