O uso de tecnologias na criação de ovinos e caprinos no Brasil tem crescido nos últimos anos sendo o confinamento uma delas. Alguns criadores acreditam que o seu uso evitará doenças e é pego desprevenido quando surgem animais doentes no confinamento, sendo o cálculo renal uma das enfermidades mais comentadas. Este texto busca esclarecer algumas dúvidas sobre essa doença, começando por sua definição, quais as categorias mais problemáticas, sintomas, tratamento e prevenção.
Como definição o cálculo renal ou urolítiase é uma doença que tem como característica a formação de cálculos urinários, orgânicos ou inorgânicos, compostos por fosfato de amônio de cálcio ou magnésio ou de outros materiais como oxalato. A formação dos cálculos pode ser metabólica ou ainda uma predisposição genética da raça ou animal.
Existem vários tipos de cálculos. Os cálculos formados dependem do tipo de alimentação recebida, por exemplo: em condições de pasto seco, onde a pastagem ou alguns tipos de fenos constituem a dieta básica, cálculos de silicato podem ser formados. Dietas ricas em cálcio produzem cálculo de calcita. O cálculo mais comum em animais em engorda com dietas ricas em concentrado com composição mineral erroneamente balanceado, com altos teores de fósforo e baixo em cálcio, irá formar os cálculos de fosfato podendo ser de cálcio, magnésio e de amônio.
Os cálculos podem ter uma superfície lisa ou áspera; podem ser sólidos, macios ou friáveis. Podem ter várias cores como branco, acizentados, amarelados ou marrons, dependendo da sua composição. Ainda podem ter diferentes tamanhos, sendo que os cálculos pequenos podem ser eliminados na urina, mas tipicamente os cálculos causam obstrução urinaria.
A categoria animal com maior predisposição a doença são os animais em engorda, mas também pode acometer animais adultos em reprodução. Pode ocorrer tanto em machos como em fêmeas, mas é muito mais comum nos machos devido as diferenças anatômicas e hormonais. Uma vez os cálculos formados, normalmente são eliminados sem dificuldade pelas fêmeas, pois a uretra é ampla e curta. Já os machos possuem uma uretra muito estreita e o trajeto para o exterior é muito longo e tortuoso. Além disso, o diâmetro no arco isquiático, flexura sigmoide e no processo uretral complicam mais ainda, pior ainda nos bodes e carneiros. A castração de machos jovens retira a influencia hormonal necessária para o desenvolvimento do pênis e uretra, complicando ainda mais o problema, pois toda a região fica ainda mais estreita. Por isso se for castrar e depois engordar, fazer isso de preferencia após os seis meses de idade.
Os principais sintomas da doença iniciam-se (Figura 1) com desconforto abdominal e cólica, tentativas frequentes de micção seguidas por movimentos de cauda. Antes da oclusão completa, a urina pode gotejar pela uretra, o animal começa a se isolar, recusa-se a beber ou comer. Com o avanço da doença a região fica distendida (Figura 2), a coloração da pele fica vermelha, febril (Figura 3), a obstrução pode causar ruptura da uretra ou bexiga seguida da morte do animal. Todos esses eventos podem levar de 3 a 7 dias.
Em caso de ruptura uretral os tecidos envoltos estarão hemorrágicos e necróticos (Figura 4). No caso de rupturas na bexiga a urina se espalha no abdômen (Figura 5).
Figura 1. Micção normal com um livre fluxo contínuo de urina. O gotejamento de urina é altamente suspeito de obstrução uretral.
O tratamento com medicamentos ou outra intervenção só é viável se for diagnosticado no estagio inicial. A consulta ao um médico veterinário é sempre necessária. O tratamento cirúrgico só é recomendado para animais cujo valor comercial se justifique. Caso o animal esteja próximo da época do abate e não haja ruptura de bexiga ou perfuração da uretra é melhor optar pelo abate.
Importante na fase inicial é a interrupção do fornecimento do concentrado e o fornecimento de volumoso grosseiro, muita água limpa, fresca e de fácil acesso. A consulta a um zootecnista para a formulação adequada da dieta se faz necessária.
Como a nutrição pode influenciar e como o nutricionista deve agir?
A incidência é maior quando a dieta é rica em grãos e esta balanceada com uma proporção mais ou menos de 1:1 de cálcio e fósforo. A melhor forma de prevenir a doença é oferecer dietas bem balanceadas, água limpa, fornecimento adequado de vitamina A (pois há evidências que a sua deficiência predispõe os animais a doença).
O pH da urina influencia a produção de urólitos ou cálculos; urólitos de fosfato e de carbonato se formam mais prontamente em urina alcalina do que em urina ácida (a urina de ruminantes adultos é alcalina, com pH entre 7 e 9). No entanto, em alguns casos, cálculos de oxalatos são formados em pH ácidos.
É importante manter uma relação cálcio:fósforo da dieta acima de 1,5:1; o teor de magnésio da dieta deve ser mantido baixo, em alimentos concentrados utilizar até 3% de sal na sua composição (acredita-se que isso tenha mais um efeito iônico do que indutor de diurese). Tais dietas, ricas em concentrados, só devem ser usadas quando o fornecimento de água for à vontade e de qualidade. A adição de acidificados da urina ao alimento, como cloreto de amônia ou ácido fosfórico também podem ser útil.
Lembrando que alimentos como milho, farelo de soja, farelo de algodão, aveia, trigo, dentre outros, possuem um teor maior de fósforo e baixos teores de cálcio. Já alimentos como feno de gramíneas, cana-de-açúcar, polpa cítrica, dentre outros, possuem maiores teores de cálcio e menores de fósforo.
*Sarita Bonagurio Gallo é professora de Nutrição e Produção de Pequenos Ruminantes da USP – Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) – Departamento de Zootecnia.
** Artigo extraído do site farmpoint.