Francisca Rodrigues de Souza tem 52 anos, mora no Sítio Areias do Boqueirão, e hoje tem orgulho de dizer que é agricultora. Nem sempre foi assim. Aos 16 anos saiu da comunidade para trabalhar e estudar na cidade. “Sempre achei que minha vida era nas cidades. Apesar de ter nascido e me criado aqui, não dava valor ao trabalho que meus pais e meus avós faziam. Eu não sabia o que era agricultura”, explica. Antônia Leuda Rodrigues de Souza, da mesma comunidade, trilhou um caminho parecido. “Com 15 anos saí da agricultura para trabalhar nas fábricas. Nunca gostei da roça. Meu sonho era trabalhar em firmas e foi o que eu fiz”. Francisco de Assis Souza Silva, 35 anos, mora na comunidade Pé de Serra Cedro, é agricultor e cursa o 6º semestre na faculdade de Pedagogia. Tem planos de fazer especialização em meio ambiente ou educação no campo.
O que os três têm em comum? Moram em comunidades onde o Projeto Sustentare desenvolve atividades desde o início de 2012. E graças aos conhecimentos compartilhados com os técnicos da Embrapa, mudaram a visão que tinham do meio rural e da agricultura.
O Projeto, liderado pelo pesquisador Jorge Farias e pelo analista Éden Fernandes, ambos da Embrapa Caprinos e Ovinos, começa a apresentar resultados práticos e o principal deles, segundo Farias, é o desenvolvimento humano e o fortalecimento da autonomia dos agricultores.
Para o pesquisador do Departamento de Transferência de Tecnologias, Antônio Heberlê, o Sustentare é realmente um projeto diferenciado. “Ele aplica de fato metodologias participativas, o que não é fácil, porque o agir interativo requer uma programação mental diferente daquela a que se está acostumado a exercer na vida prática, competitiva, que força ao individualismo. Neste projeto, a essência da participação é respeitada”.
O projeto Sustentare desenvolve ações em três comunidades rurais do município de Sobral (CE), utilizando uma metodologia participativa que envolve seis passos (quadro abaixo). “Adotamos uma nova forma de fazer pesquisa, onde as ações são realizadas para os agricultores e com eles, levando em conta a realidade local”, afirma o pesquisador. Para Fernandes, a metodologia possibilita que os agricultores se tornem protagonistas e passem a ser sujeitos, não objetos. “É assim que a comunicação e a autonomia têm se tornado fundamentais no Sustentare, como diferenciais em metodologias participativas”.
Nas comunidades rurais onde atuam, os técnicos trabalham com realidades diferentes. “A própria metodologia consegue captar essas nuances que existem nos locais, tanto que as demandas são diferenciadas, mas convergem para temas afins: transição agroecológica (mudança da agricultura que desmata e queima para uma agricultura sustentável), construção social de mercados e manejo da agrobiodiversidade (espécies animais e vegetais existentes na comunidade). As estratégias adotadas são distintas, de acordo com a realidade de cada local”, conclui Farias.
A comunidade Pé de Serra Cedro tem um histórico de resistência e luta pela terra, que levou a uma organização maior e à formação de lideranças. Lá o trabalho é direcionado para o fortalecimento da autonomia dos agricultores e de sua capacidade de ação. Nos dois outros locais, Sítio Areias do Boqueirão e Sítio São Francisco, os moradores estavam num processo de individualismo, sem uma identidade local. As ações do projeto têm possibilitado o resgate das capacidades dessas pessoas.
No Sítio São Francisco, a liderança do agricultor Antônio Mateus se destaca. “Os agricultores viviam a mercê do líder para tomar as decisões. Hoje, depois de praticamente dois anos de trabalho, as pessoas começam a desenvolver sua individualidade e autonomia”, afirma o pesquisador.
Resultados práticos
Os técnicos da Embrapa iniciaram nas três comunidades um processo de transição da agricultura tradicional extrativista para uma agricultura sustentável. No Sítio Areias foi implantado um quintal produtivo, um roçado agroecológico, uma casa de sementes e feito o reflorestamento de uma mata ciliar degradada. No Pé de Serra Cedro também está sendo recuperada uma área degradada onde foi montado um sistema dividido em três faixas, fazendo uma comparação entre o cultivo tradicional, a incorporação de matéria orgânica e de leguminosas.
Outro resultado prático é a construção social de mercados que possibilita a inclusão socioprodutiva dos agricultores, antes dependentes dos atravessadores para comercializar seus produtos. Em novembro de 2013 foi realizada a primeira feira agroecológica no Pé de Serra Cedro com resultados acima do esperado. Para este ano, os agricultores estão programando duas feiras. “O projeto fortaleceu nossos conhecimentos sobre construção de mercados. Precisamos compreender melhor para quem estamos vendendo”, afirma o agricultor Francisco de Assis.
Os técnicos da Embrapa estão começando a utilizar a metodologia do projeto Sustentare em outras duas comunidades inseridas no Plano Brasil Sem Miséria do Governo Federal. “A atuação nessas localidades estava sendo conduzida de maneira tradicional com cursos, dias de campo e unidades demonstrativas. Nós iniciamos o trabalho com o objetivo de fortalecer a autonomia das famílias porque acreditamos que a pobreza é fruto dessa baixa autonomia. Produzindo conhecimento local, promovendo a transição agroecológica, acreditamos que vamos contribuir para a erradicação da extrema pobreza”, explica Jorge Farias.
O Projeto Sustentare deve encerrar as atividades no início de 2015. Mas, para os agricultores envolvidos, as ações nas comunidades não vão acabar. “Eles (os técnicos da Embrapa) chegaram para ensinar a gente a andar e o que a gente aprendeu é pra ficar, não é para acabar junto com o projeto”, afirma Francisca. Para Francisco de Assis, o desafio é mobilizar as comunidades que fazem parte do Sustentare para demandar outras pesquisas junto à Embrapa: “É pensamento nosso buscar outros conhecimentos por meio da pesquisa”.
Adriana Brandão (MTb 01067/CE)
Embrapa Caprinos e Ovinos
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