Com uma visão mais ampla das endoparasitoses, é possível reconhecer a impossibilidade de erradicar os parasitos gastrintestinais e a necessidade de promover ações de controle que visem equilibrar a relação parasito-hospedeiro. Isto pressupõe a necessidade de correto diagnóstico do gênero de parasito envolvido, bem como da resposta do hospedeiro. Por isso, atualmente é dada a devida importância ao diagnóstico da verminose por meio de exames clínicos (método FAMACHA©, sinais clínicos) e exames de fezes (OPG, coprocultura e outros), exame de sangue (hemograma) além de outros exames mais detalhados que englobam biologia molecular.
O método FAMACHA©, amplamente comentado e discutido aqui no Farmpoint, é um aliado no controle das endoparasitoses ocasionadas pelo Haemonchus contortus, principal parasito hematófago (suga sangue) de pequenos ruminantes durante a estação chuvosa, na maioria dos rebanhos brasileiros. Esse método baseia-se no tratamento apenas de animais que são acometidos clinicamente, diminuindo drasticamente o uso desnecessário de vermífugos. No entanto, o FAMACHA© somente é efetivo quando o Haemonchus contortus corresponde a mais que 70% da carga parasitária dos animais.
Além do grau de anemia, outros sinais clínicos podem ser auxiliares no diagnóstico e auxilio de tratamento das verminoses, como a presença de diarréias e da perda de condição corporal. Embora estes sinais possam estar relacionados com outros parasitos gastrintestinais além do Haemonchus contortus, eles também podem estar relacionados a outras doenças não-parasitárias e a causas nutricionais. Isto dificulta o seu emprego como critério de diagnóstico parasitário e de vermifugação.
O exame da contagem de ovos por grama de fezes (OPG) dá a possibilidade de obter uma estimativa do grau de infecção parasitária, que pode inclusive ser utilizado como critério de tratamento individual, mesmo se o Haemonchus não for o principal parasito. Além disso, o OPG é muito importante no teste de eficácia de anti-helmínticos que compara os resultados antes e após tratamento (comentado no artigo: “TRCOF teste de redução na contagem de ovos nas fezes”). Porém, não é possível com exatidão determinar quais os gêneros de vermes que predominam no rebanho, pois o OPG é quantitativo para a ordem Strongylida de parasitos (estrongilídeos) e qualitativos para alguns outros parasitos (Moniezia sp., Eimeria spp., Strongyloides papillosus eNematodirus spp.). Portanto, apenas com o OPG não é possível saber quais dos gêneros de estrongilídeos (Haemonchus sp. Trichsotrongylus sp., Cooperia spp. ou outros) estão presentes no rebanho e em que proporções (Figura 1).
Figura 1 –Ovos identificáveis no OPG e larvas identificáveis na coprocultura.
Para saber se o controle parasitário pode ser realizado adequadamente pelo FAMACHA©, OPG ou ambos, é imprescindível saber qual(is) verme(s) estão presentes no rebanho, inclusive os tipos de estrongilídeos. Para isso existe um exame chamado coprocultura ou cultura de larvas de nematóides que permite identificar os gêneros dos vermes e propor estratégias de manejo adequadas a cada rebanho. Portanto, é um exame auxiliar que ajuda na decisão dos critérios de tratamento, estratégias de controle e também no teste de eficácia de anti-helmínticos.
Para entender como funciona a coprocultura, é necessário relembrar o ciclo dos principais vermes gastrintestinais dos ovinos e caprinos. Os animais liberam os ovos dos vermes nas fezes, que contaminam o ambiente. Esses ovos eclodem, liberando a larva de 1º estádio (L1). Em condições de umidade, temperatura e oxigenação adequada, estas evoluem para larvas de 2º e de 3º estágio (infectante). Todo esse ciclo é dependente de fatores climáticos e ambientais (Figura 2).
Figura 2 –Ciclo biológico e influência de fatores climáticos e ambientais dos principais nematóides gastrintestinais de pequenos ruminantes.
Quando as fezes são coletadas diretamente do reto dos ovinos ou caprinos, é possível obter uma amostra fecal com ovos de parasitos que serão contados no exame de OPG. Porém, para a identificação dos gêneros dos estrongilídeos, é necessário fazer com que estes ovos evoluam até a fase infectante (L3), pois esta é passível de identificação por gênero. Sendo assim, a coprocultura se baseia em fornecer em laboratório as condições adequadas para que ovos presentes nas amostras de fezes possam evoluir até L3 e ser identificados. (Figura 3). O resultado final será dado em percentagem de gêneros encontrados, e possibilita saber qual(is) o(s) parasito (s) presente(s) no rebanho.
Figura 3 – Larva de Trichostrongylus sp. identificada por sua morfologia no exame de coprocultura.
A coprocultura pode ser feita com um “mix” de fezes do rebanho. Para isto, coleta-se fezes de alguns animais (pelo menos 10% de cada lote de manejo), que posteriormente são misturadas e destinadas ao exame (Figura 4). É possível fazer exames individuais ou de grupos de animais dependendo do intuito da utilização da coprocultura.
Figura 4 –Coleta de fezes intra-retal de ovelha e posterior homogeneização com as fezes do restante do rebanho para a realização da coprocultura.
A seguir, alguns exemplos práticos da utilização da coprocultura no manejo parasitário do rebanho:
Rebanho 1:
– Coprocultura: 90% Haemonchus sp. e 10 % Trichostrongylus sp.
Nesse caso é possível utilizar um controle parasitário por meio do método FAMACHA©, pois o Haemonchus sp., parasito predominante, é hematófago (suga sangue) e pode ser diagnosticado clinicamente. Juntamente com FAMACHA©, outros critérios podem ser adotados de acordo com o sistema de produção e indicação do médico veterinário.
Rebanho 2:
-Coprocultura: 80% de Trichostrongylus sp. e 20% de Haemonchus sp.
Nesse caso, o FAMACHA© não é indicado como única ferramenta de controle, pois oTrichostrongylus não é um parasito hematófago. Este parasita causa lesões intestinais e diarréia; a anemia aparece quando o quadro já está muito agravado. A contagem de OPG e o grau de diarréia podem ser importantes indicativos de tratamento individual dos indivíduos mais parasitados.
Voltando ao exame de OPG, a partir de quantos OPGs vermifugar? 500, 600, 700, 1000? Isso vai variar de acordo com o parasito predominante. Por isso, é possível estimar a gravidade da infecção ao relacionar o OPG com o resultado da coprocultura. A Tabela 1 estabelece o grau de infecção parasitária de acordo com os gêneros de parasitos encontrados na coprocultura.
Tabela 1 –Guia para interpretação do grau de infecção em relação ao gênero de parasito encontrado em ovinos. Tabela retirada do livro: Manual para diagnóstico das helmintoses em ruminantes (Ueno e Gonçalves, 1998).
Ex. animal 1: (OPG 1000)
-Coprocultura: 98 % Haemonchus sp. e 2% Trichostrongylus sp..
-Fazendo a correção do OPG com a coprocultura de acordo com a Tabela 1.
-OPG de Haemonchus sp. = 1000 * 98%= 980 OPG de Haemonchus sp. (infecção leve)
-OPG de Trichostrongylus sp. = 1000 * 2% = 20 OPG de Trichostrongylus sp. (infecção leve).
Nesse caso se o animal não estiver apresentando grau de anemia (FAMACHA© 3 ou mais) e nem diarréia, em infecção leve por Haemonchus sp. e por Trichostrongylus sp., não se indica o tratamento anti-helmíntico
Ex. animal 2 (OPG 1000)
-Coprocultura: 70% Trichostrongylus sp. e 30% Ostertagia spp.
-Fazendo a correção do OPG com a coprocultura de acordo com a Tabela 1.
-OPG de Trichostrongylus sp.= 1000 * 70%= 700 (infecção moderada)
-OPG de Ostertagia spp.= 1000 * 30% = 300 (infecção moderada)
Nesse caso, em infecção moderada por Ostertagia spp. e por Trichostrongylus spp., se o animal apresentar sinais clínicos, indica-se tratar com anti-helmíntico eficaz. Dessa forma, percebe-se que dois animais com o mesmo OPG (1000) estão em situações diferentes de verminose devido ao tipo de parasito e grau de patogenicidade. É claro que no dia a dia do campo os sinais clínicos são muito importantes na decisão do tratamento, mas o conhecimento da população de vermes existentes no rebanho torna mais fácil a estimativa do grau de infecção dos animais.
O ideal é realizar a coprocultura bimestral ou trimestralmente em um rebanho, conforme a região do território nacional onde a criação esteja localizada. Isto é importante devido às variações sazonais na proporção de gêneros na população parasitária. Na impossibilidade disso ser realizado, indica-se fazer pelo menos uma coprocultura de larvas de nematóides gastrintestinais no rebanho para saber quais os vermes predominantes, juntamente com o teste de redução da contagem de ovos nas fezes (TRCOF). Como os gêneros de estrongilídeos podem apresentar diferenças na susceptibilidade aos grupos químicos de vermífugos, a coprocultura auxilia muito na escolha do medicamento. Alguns laboratórios veterinários fazem o exame, mas é importante especificar que é coprocultura de larvas de nematóides, para evitar ser confundido com coprocultura de bactérias. Profissionais habilitados e universidades que tenham cursos de veterinária também podem fazer o exame.
Sendo assim, percebe-se que a coprocultura é um exame importantíssimo na decisão de critérios de tratamento, na visualização do grau de infecção parasitária e na escolha de medicamentos anti-helmínticos junto ao teste de eficácia, devendo ser incluído no controle parasitário periódico do rebanho.
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Jordana Andrioli Salgado Vila Velha – Espírito Santo