Como a dieta interfere na formação do flavour da carne de ovinos?

Carlos Emanuel Eiras e Ivanor Nunes do Prado
Programa de Pós-Graduação em Zootecnia – Universidade Estadual de Maringá

O consumo brasileiro de carne, além do alto valor nutritivo envolvido, se deve ao prazer e aos hábitos regionais de alimentação que apresentam influência sobre a intenção de compra dos consumidores (espécie, raça, sexo etc). A cor e a maciez da carne são considerados fatores de grande importância durante a seleção do produto. Entretanto, oflavour é um atributo sensorial determinante ao ato de compra da carne de ovinos (Guerrero et al., 2013).

O sabor e os odores (flavour) presentes durante o preparo e consumo da carne atuam sobre a percepção sensorial dos consumidores e as experiências adquiridas estão relacionadas com o grau de aceitabilidade da carne. O “sabor típico da carne de ovinos, sabor rançoso” ou ainda ‘‘sabor de fígado” comumente descritos por consumidores definem percepções sensoriais obtidas que afetaram a aceitabilidade final do produto e por muitas vezes determinam avaliações mesmo antes da compra ou degustação da carne. No entanto, o flavour presente na carne de ovinos não está relacionado somente à espécie animal, mas também a uma serie de variáveis do sistema produtivo de pequenos ruminantes.

O termo ‘‘sabor típico da carne de ovinos’’ algumas vezes utilizada pelos consumidores para descrever o flavour obtido durante a degustação da carne estaria relacionado a fatores determinantes pela espécie animal (‘‘specie flavour’’), como: idade, processo de castração e composição de ácidos graxos de cadeia ramificada presente no tecido adiposo dos animais (Resconi et al., 2010). Entretanto, o sistema produtivo no qual os animais são mantidos pode alterar o flavour da carne, incentivando a presença de umflavour desagradável técnicamente caracterizado como ‘‘pastoral flavour’’ e comumente descrito como ‘‘sabor rançoso’’ ou ‘‘sabor de fígado’’ pelos consumidores durante o consumo da carne de ovinos (Schreurs et al., 2008).

A ação de fatores intrínsecos e extrínsecos aos animais e as condições de manejo pré- e pós-abate estão diretamente relacionadas à qualidade nutricional e sensorial da carne (Tabela 1). A espécie, raça, sexo, peso corporal, dieta, tempo de maturação e suas interações são considerados como agentes formadores do flavour e apresentam influência sobre a aceitabilidade do produto pelos consumidores (Khan et al., 2015). Dessa forma, a estratégia nutricional adotada no sistema produtivo dos animais representa um fator de grande importância na formação dos tecidos corporais, sendo considerada como fator decisivo na composição química e sensorial da carne.


As características físicas (concentrado, pasto etc) e químicas (energia, proteína etc) da dieta são determinantes da eficiência produtiva do sistema, mas as suas utilizações e associações devem ser avaliadas com cautela. O aproveitamento dos ingredientes da dieta pelos microrganismos do rúmen pode resultar na formação de inúmeros compostos voláteis que apresentam ação sobre o aspecto sensorial da carne. Dessa forma, a biohidrogenação da dieta pelo ambiente ruminal pode estimular a formação de fenóis, terpenos, indóis, compostos sulfurados, entre outros compostos que serão incorporados ao tecido adiposo e apresentar influência sobre o flavour da carne de ovinos.

A utilização de dietas com altas proporções de concentrado apresenta-se como estratégia nutricional para intensificar a produtividade dos animais por meio da formação de ácidos graxos voláteis pelo ambiente ruminal. No entanto, a excessiva produção de propionato a partir dos carboidratos não fibrosos da dieta pode sobrecarregar a capacidade hepática de metabolização e aumentar a absorção de ácidos graxos de cadeia ramificada pelo tecido adiposo, intensificando o ‘‘sabor típico da carne de ovinos’’ durante o consumo de carne (Duncan & Garton, 1978).

No entanto, o pastejo de forrageiras com elevado teor de proteína também pode alterar a qualidade sensorial da carne de ovinos. A elevada relação entre proteína/carboidratos não fibrosos presente em pastagens frescas estimula a deaminação protéica pelos microrganismos ruminais, resultando na formação de ácidos graxos voláteis de cadeia ramificada e 3-metilindol (escatol) pela fermentação microbiana no rúmen (Schreurs et al., 2008).

A excessiva solubilidade e degradabilidade ruminal da proteína intensifica a formação de grandes quantidades de triptofano destinado a metabolização pelos microrganismos ruminais, elevando a absorção de 3-metilindol pelo ambiente ruminal e adesão ao tecido adiposo dos animais. Assim como, a extensa deaminação oxidativa de aminoácidos essenciais (valina, leucina e isoleucina) pode elevar a concentração de ácidos graxos voláteis de cadeia ramificada (isobutírico, isovalérico e 2-metil-butírico) que serão absorvidos pelo epitélio ruminal e metabolizados em ácidos graxos de cadeia ramificada pelo organismo animal, influenciando o flavour da carne de ovinos (Figura 1).

Figura 1. Metabolismo envolvido na formação do flavour da carne de ovinos.

Portanto, o flavour da carne de ovinos é estritamente relacionado à dieta consumida pelos animais, uma vez que a proporção e a composição nutricional dos alimentos ingeridos atuam na formação de compostos voláteis pelo ambiente ruminal que podem alterar o aspecto sensorial da carne de ovinos.

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