A ovinocultura tem ganhado cada vez mais espaço dentro da atividade pecuária nacional, porque o aumento do consumo de carne ovina e seus produtos derivados têm crescido entre a população, o que serve de incentivo aos produtores inseridos neste meio.
Neste cenário, destacam-se os sistemas de produção a pasto, que são amplamente utilizados no Brasil, mas que se apresentam sujeitos a enorme diversidade ambiental, de disponibilidade de alimentos e de sistemas produtivos conforme as diferentes regiões dentro do território nacional. Mas, o que faz com que estes modelos de produção em pastagens consigam ser bem sucedidos dentro desta ampla variedade de ecossistemas que temos no país?
Uma das possíveis respostas está no hábito alimentar da espécie ovina e na sua capacidade de adaptação em resposta às variações ambientais. É fato que, para o sucesso da ovinocultura, assim como para muitas outras atividades, é necessário que o consumo de alimentos pelos animais seja otimizado e possa refletir em boa produtividade. Para tanto, é fundamental que sejam conhecidos e corretamente interpretados os hábitos de consumo desta espécie.
Na produção em pastagem, o conhecimento a respeito da seleção de alimentos por herbívoros, permite adequar a oferta de forragem de acordo com as preferências de cada espécie e categoria animal. Neste sentido, avaliar padrões de consumo de ruminantes a pasto e as variáveis que interferem nesse consumo, é de grande importância para tomadas de decisões sobre o manejo adequado das pastagens, tornando a produção mais eficiente (Barros et al., 2010).
Parte-se do princípio de que o animal tem a capacidade de regular seu consumo, de acordo com suas exigências nutricionais e que, quando há opção de escolha, irá selecionar os alimentos que melhor atendam suas necessidades. Portanto, neste caso, espera-se que o ganho de peso, ou a produção leiteira, reflitam essa situação favorável em melhora na resposta animal.
Mesmo em condições de restrição alimentar, os ovinos podem apresentar alterações de comportamento ingestivo visando o aumento compensatório do consumo de forragem (Barbosa et al., 2010). Esta alteração de resposta do comportamento ingestivo dos animais, em diferentes situações de oferta de forragem, é representativa da interação planta-animal. Além disso, de acordo com Bonnet et al. (2013), permitir que os herbívoros, em sistemas de produção, expressem sua característica natural de selecionar espécies em ambientes heterogêneos, pode ser uma forma de conservação da biodiversidade em pastagens.
Contudo, quantificar e qualificar o consumo de ruminantes em pastagens não é tarefa fácil. Geralmente os estudos a este respeito são onerosos e de difícil execução. Neste contexto, métodos de observação direta de consumo em diferentes escalas de tempo (em segundos ou dias) tornam-se mais adequadas para a visualização da interação entre animal-planta, em ambientes com grande diversidade de espécies.
A técnica de monitoramento contínuo de bocados permite a obtenção de informações centrais e fundamentais do processo de forrageamento, de tal forma que nenhuma outra técnica consegue. A partir dela, é possível realizar a estimativa contínua da massa de bocados, taxa de bocados, taxa de ingestão instantânea, a identificação de espécies e partes de plantas selecionadas em relação às características da vegetação local, bem como a dinâmica do pastejo em ambientes simples e complexos (Bonnet et al., 2015).
Esta técnica, utilizada para ovinos, foi descrita com base em estudos de observação direta de outras espécies animais, que já estavam sendo realizados ao longo de trinta anos (Agreil & Mauret, 2004). A identificação feita desta forma permite registrar a ordem temporal de bocados realizados por um indivíduo em um ambiente complexo. Vale lembrar que o bocado é a menor ação realizada pelo animal dentro do processo de forrageamento (Carvalho et al., 2009) e consiste na seleção e apreensão do alimento pelo aparelho bucal.
O conjunto de bocados, aliado ao tempo despendido pelo animal para a atividade de pastejo e a sua escolha por diferentes estruturas de plantas e espécies, consiste no comportamento ingestivo e a soma de todos estes fatores irá resultar no seu desempenho produtivo.
Portanto, a técnica de monitoramento contínuo de bocados se enquadra perfeitamente dentro da ideia de avaliar a ingestão de alimentos por ovinos, em produções a pasto, de uma maneira pouco invasiva e que pode detectar mudanças de comportamento ingestivo, em função das características da pastagem disponível.
Mas, como isso é possível, como funciona esta técnica?
A ideia básica do monitoramento é conseguir observar e registrar tudo o que o animal apreende como alimento e todos os seus comportamentos. Para isso, o avaliador deve conseguir chegar a uma distância mínima do animal para boa visualização dos bocados por ele realizados, sem que haja qualquer alteração do comportamento. É como se o avaliador fizesse parte do rebanho e se tornasse indiferente para aquele grupo de animais (Figura 1).
Figura 1. Avaliadores adaptados ao rebanho. Durante as avaliações são observados e registrados o comportamento e bocados realizados pelo animal (FAISCA, 2016).
Ao atingir esta meta, o avaliador conseguirá então observar quais as principais estruturas e espécies de plantas selecionadas e, com esta informação, poderá elaborar uma grade de códigos, ou “GRID”, para cada categoria de bocados observados (Figura 2). Estes códigos devem ser simples e de fácil memorização. O próprio avaliador deve criá-los e atribuí-los aos bocados observados. Geralmente, utilizam-se siglas curtas e que façam menção ao nome da forrageira ou à sua estrutura botânica. Como exemplo, um código “ZA” poderia representar os bocados de folhas de azevém, enquanto que um código “VA” poderia indicar bocados de folhas de aveia.
Figura 2. Exemplo de bocados observados por ovelhas e cordeiros, em pastagens mistas (FAISCA, 2016).
O estabelecimento do GRID de códigos deve ser feito com base (1) na natureza e posição das partes das plantas selecionadas; (2) nas características estruturais dos tecidos vegetais; (3) na maneira como o animal apreende a planta, se o bocado contempla uma ou mais folhas, ou estruturas diferentes; e (4) nas diferenças estimadas de valor nutricional da planta (BONNET et al., 2015). Como exemplo de um GRID de bocados, pode-se observar a Figura 3.
Figura 3. GRID de bocados observados para bovinos, em pastagens nativas no Rio Grande do Sul, conforme a altura da forragem e de acordo com as principais espécies vegetais consumidas (BONNET et al., 2015).
Dentro ainda do método, após o período de gravação, o avaliador deverá coletar amostras de forragem de acordo com os códigos registrados na avaliação que acabou de ser feita, simulando os bocados identificados. Finalmente, após seguir este passo a passo, e em posse de todos os dados coletados a campo, poderão ser calculadas:
• As taxas de bocados, considerando o número de códigos de bocados citados em cada avaliação;
• Taxas de ingestão de matéria seca, considerando o número de bocados e o peso seco de cada amostra de bocado coletado na simulação;
• Volume de bocados, conforme o peso das amostras de simulação de bocados;
• Tempo gasto em pastejo, ócio e ruminação, durante o período avaliado;
• Número de passos e, consequentemente, mudanças e buscas de novas estações alimentares;
• Atividades como consumo de água e outros alimentos.
O leitor poderá encontrar maior detalhamento desse tema em Agreil e Meuret (2004), Bonnet et al. (2013) e Bonnet et al. (2015).
Pode-se afirmar, portanto, que o método de monitoramento contínuo de bocados é uma ferramenta metodológica da pesquisa em pastagens, que pode colaborar significativamente para o avanço do conhecimento a respeito do comportamento ingestivo de ovinos, podendo trazer contribuições na elaboração de novas técnicas de manejo de forragens, nos mais diversificados ambientes e situações.
Referências bibliográficas:
AGREIL, C.; MEURET, M. An improved method for quantifying intake rate and ingestive behaviour of ruminants in diverse and variable habitats using direct observation. Small Ruminant Research. n.54, p. 99-113, 2004.
BARBOSA, C.M.P.; CARVALHO, P.C.F.; CAUDURO, G.F.; LUNARDI, R.; GONÇALVES, E.N.; DEVINCENZI, T. Componentes do Processo de Pastejo de Cordeiros em Azevém sob Diferentes Intensidades e Métodos. Archivos de Zootecnia. n.59, p. 39-50, 2010.
BARROS, C. S.; DITTRICH, J. R.; MONTEIRO, A. L. G.; PINTO, S.; WARPECHOWSKI, M. B. Técnicas para estudos de consumo de alimentos por ruminantes em pastejo: revisão. Scientia Agraria Paranaensis. v. 9, n. 2, p. 5-24, 2010.
BONNET, O. J. F.; CEZIMBRA, I. M.; TISCHLER, M. R.; AZAMBUJA, J. C. R.; MEURET, M.; CARVALHO, P. C.F. Livestock selective behaviour in natural grasslands challenges the concept of plant preference in the elaboration of a successful diet. In: MICHALK, D. L.; MILLAR, G. D.; BADGER, W. B.; BROADFOOT, K. M. Revitalising Grasslands to Sustain our Communities. Proceedings of the 22nd International Grassland Congress. Sydney, AU. 2013.
BONNET, O. J. F; MEURET, M.; TISCHLER, M. R.; CEZIMBRA, I. M.; AZAMBUJA, J. C. R; CARVALHO, P. C. F. Continuous bite monitoring: a method to assess the foraging dynamics of herbivores in natural grazing conditions. Animal Production Science. n. 55, p. 339-349, 2015.
CARVALHO, P. C. F.; TRINDADE, J. K.; MEZZALIRA, J. C.; POLI, C. H. E. C.; NABINGER, C.; GENRO, T. C. M.; GONDA, H. L. Do bocado ao pastoreio de precisão: compreendendo a interface planta-animal para explorar a multi-funcionalidade das pastagens. Revista Brasileira de Zootecnia. (supl. Especial) v. 38, p. 109-122, 2009.
Autores do artigo:
Laura Derenevicz Faisca – Aluna de Pós-Graduação do Laboratório de Produção e Pesquisa em Ovinos e Caprinos – LAPOC da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Mylena Taborda Piquera Peres – Aluna de Pós-Graduação do Laboratório de Produção e Pesquisa em Ovinos e Caprinos – LAPOC da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Ana Carolina Carvalho Neves – Aluna de Pós-Graduação do Laboratório de Produção e Pesquisa em Ovinos e Caprinos – LAPOC da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Rafael Batista – Aluno de Pós-Graduação do Laboratório de Produção e Pesquisa em Ovinos e Caprinos – LAPOC da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Alda Lúcia Gomes Monteiro – Professora da Universidade Federal do Paraná – UFPR e Coordenadora do LAPOC – UFPR.